22 junho 2011

Gorgetas

GORGETAS OU COMPLEMENTO SALARIAL?


Nunca  compreendi muito bem porque é que a gorjeta nos restaurantes (e até à mesa dos cafés) se tornou quase obrigatória. Tão obrigatória, que não deixar "qualquer coisa"  é muitas vezes mal visto: sinal de ganância, acto envergonhado.

Não percebo este tratamento especial.

Quem se lembraria de dar gorjeta ao empregado da farmácia que com calma e sapiência procura  as melhores pastilhinhas depois de nos aturar na descrição dos sintomas da dor de garganta que não levámos ao médico?

Passa pela cabeça de alguém dar qualquer coisa ao vendedor da loja de electrodomésticos que nos atura na indecisão entre a maquineta da marca x e a da marca y, e que nos explica tudinho, tudinho?

E quem paga mais do que o preço marcado ao empregado de balcão que vai ter de ficar a dobrar as sete blusas que nós experimentámos antes de nos decidirmos pela que levamos?

Alguém dá gorjeta à funcionária que num qualquer guichet  nos atende com competência, compreensão e disponibilidade?

Alguém dá moedas ao carteiro que diligentemente deposita o correio na nossa caixa?

Quem gratifica o dono do quiosque de jornais que todas as manhãs nos vê ler à borla os títulos de todas as primeiras páginas, e virarmos costas, "informados",  muitas vezes sem comprarmos nada?

E quem é que "gorjeteia" o motorista do autocarro que nos traz todos os dias à mesma hora, e que até já esperou por nós um segundinho, no dia em que nos viu a correr, atrasados?

Alguém dá?

Não. Claro que não!

E porquê?

Porque, obviamente, achamos que todas estas pessoas estão apenas a fazer bem o trabalho delas, como é sua obrigação, e para isso e por isso recebem o respectivo ordenado ao fim do mês.

Então, por que carga de água gratificamos o empregado de mesa? Não está ele, como todos os outros, a fazer "apenas" o seu trabalho?

Será porque se trata de comida que nos comportamos de maneira diferente?

Pode ser...

Mas, então,  alguém dá gorjeta ao rapazinho do talho que nos pisca o olho quando as costeletas é que são tenrinhas, e não os bifes que tínhamos a intenção de comprar quando entrámos?

E à senhora da padaria que todas as manhãs escolhe da bancada o pãozinho como nós gostamos, mais encruado ou mais tostadinho?

Alguém dá gorjeta à empregada da caixa do supermercado que, com sorte, até nos ajuda a meter as compras no saco?

E ao merceeiro do bairro que nos aconselha a experimentar um produto de qualidade e nos leva à descoberta de uma delícia?

Mais caricato ainda é não darmos gorjeta ao funcionário que nos atende ao balcão e somos capazes de nos sentirmos na necessidade/obrigação de o fazer se ele - o mesmo! - nos atende à mesa, ou na esplanada, quando o preço aí praticado já é, por tabela, mais alto do que ao balcão.

Ao que julgo saber, na minha ignorância, esta tradição vem do tempo em que os empregados de mesa não tinham ordenado e faziam depender o seu rendimento (ou parte dele) da generosidade dos clientes.

Actualmente, todas estas pessoas recebem um vencimento que até pode ser bastante baixo, mas não o é necessariamente mais do que muitos outros cidadãos trabalhadores, e até pode ser mais alto do que o de alguns  dos clientes que atendem.

Porque é que havemos, então, de tirar do nosso vencimento para aumentar os deles?

Um amigo dizia-me no outro dia que o faz para ter a certeza de que ninguém lhe cospe na sopa. Mais ou menos como dá a moeda ao arrumador para não ficar com o carro riscado...

Tenho andado a pensar: Já que a crise aconselha a reduzir depesas, e reduzir despesas implica cortar em alguma coisa, que tal começar pelas gorjetas?

E agora, chamem-me nomes...

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