31 julho 2011

Coisas Tortas II - "El Corte Chinês": O Monopólio da China em Portugal

O MONOPÓLIO
DO COMÉRCIO CHINÊS


Há uns anos, numa pequena vila alentejana, ainda em tempo de escudos, as chamadas lojas dos 150 e dos 300 mataram o comércio tradicional.

Mas o sucesso foi sol de pouca dura.

Chegou entretanto um "El Corte Chinês", instalou-se numa loja falida, rebentou com as lojas dos 300, alargou as suas instalações, e é hoje uma superfície considerável de quinquilharia e pronto-a-vestir e ferramentas e tudo e tudo, tudo balato, muito balato.

A última vítima deste retumbante sucesso asiático fechou há uns meses, e era a maior das lojas dos 300, situada na rua principal, quase quase em frente à megastore do balão vermelho.

A defunta loja ocupava um grande espaço comercial do centro urbano. Agora, está fechada.

O mais previsível é vir a ser outra loja de chineses, não é?
Certamente, dada a crise, não há português que arrisque abrir um negócio numa terra assim, não é?

Pois... Mas o problema não é esse...

A loja está fechada e continuará fechada, de certeza absoluta, porque está alugada ao chinês da outra loja, que se apressou a tomar conta do espaço, antes que outro chinês se viesse apoderar dele, e fazer-lhe concorrência, a ele, Grande Timoneiro Livre de Impostos e único usufrutuário local do extraordinário e vantajoso acordo que a União Europeia estabeleceu com a China e que tanto tem contribuído para o desenvolvimento do comércio chinês...

Assim, o nosso perspicaz negociante mantém fechado um dos maiores espaços comerciais da vila, que lhe serve "apenas" de arrecadação e armazém, já que abri-lo ao público implicaria despesas e contratação de pessoal, e ele não está para isso, nem precisa disso. Basta-lhe a loja que tem para expor tudo o que vende sem mais despesas.

Estas coisas fazem-me confusão, e deixam-me a assobiar à roupa toda. Mas, pelos vistos, só a mim é que fazem brotoeja.

O senhorio está feliz porque, na estrita medida do seu interesse pessoal e particular, tem quem lhe pague a renda, que é a única coisa que lhe interessa.

O chinês está feliz e contente na sua condição de monopolista chico-esperto só de um olho em terra de cegos.

E o português?

O português... O português... para ele, é um pagode ir ao chinês!

24 julho 2011

Absurdo Tolo

DELÍRIOS ESCREVINHADOS

Desci as escadas até ao topo e apaguei a luz, para não tropeçar nos móveis do corredor vazio.

No quarto ao fundo, o avô entrevado seguia pela rádio o final cor de fogo de E Tudo o Vento Levou.

Sentei-me à sua frente, peguei no jornal e comecei a ler baixinho as legendas, porque o velhote era surdo e precisava sempre que alguém o ajudasse a juntar as sílabas.

Mal eu tinha começado, o avô deu um salto:

-  Grande novidade!... Porcaria de filme!... Tanta fama, tanta fama... E um gajo aqui a perder tempo...!

Lançou-me um olhar traquinas, e desafiou, falando-me quase ao nariz:

- Vai um joguinho de dominó? Ah...? Ou de cartas? Aposto que te perco!

- Sempre quero ver isso... – acedi eu, só para o contrariar.

Enquanto ele foi num instante buscar o piano de cauda à sala, eu fui baralhando as partituras, para ele distribuir jogo assim que voltasse.

Sentámo-nos os três a ensaiar uns arpejos. O avô tocava um doble-quinas e eu acompanhava, soprando de vez em quando pela palheta do baralho, a fazer vibrar o ás de copas.

Quando engoli a palheta e caí com sentidos, quadrado no tecto, o avô levantou-se num ápice e exclamou, eufórico:

- Tás a ver!? Eu bem disse que te perdia!

19 julho 2011

Fim de Ciclo

FIM DE CICLO


Esta noite depositei no cemitério de mim os últimos dois anos de vida.

Sem lágrimas.

Quando demoramos demasiado tempo a enterrar os mortos, o cansaço de sofrer deixa exausta a própria dor.

Fica um pó de tristeza resignada. Não há vida, por mais viva e vivida, que resista à morte.

Lembrar-me-ei de mim, dos dias, das noites e dos anos?

Não preciso de me lembrar de mim.

Derramo sobre o tempo amassado a terra seca.

Basta que o pó ajude a conservar-me.

E que, mais tarde, a minha força me desperte e sacuda.

Então, agitarei os panos brancos e desenharei claves de sol na minha tristeza.

17 julho 2011

Zoo de Lisboa - Aldeia dos Macacos

NA SOLIDÃO,
ATÉ OS ANIMAIS SÃO GENTE


"O que é que fazes numa manhã muito fresca, assim, tão fresquinha, quase sem sol? Tens de aproveitar!!! Vamos embora! Pés ao caminho, que o Jardim Zoológico não é longe, e vai-se quase sempre pela sombra."

Não ia ao Zoo de Lisboa desde a minha infância, tão lá para trás que já nem me lembro que idade tinha.

Fora do fim-de-semana, em Abril, o parque estava um descanso. De certeza que éramos muito menos pessoas a passear do que animais em cativeiro.

Há crias muito jovens, nascidas no nosso Jaleco: tigres brancos, 1 hipopótamo, gorilas, 1 orangotango, ... São uma ternura, e o seu nascimento parece provar que vivem em boas condições, ou os seus progenitores não reproduziriam.

No entanto, tenho uma relação complicada com os parques zoológicos. Duvido sempre que o argumento da preservação das espécies não seja apenas um pretexto mal-amanhado para justificar o cativeiro dos bichos, e por isso não consegui evitar um sentimento parecido com culpa por eu ser uma visitante em liberdade no meio de todos aqueles residentes forçados.

Fiquei tempos infinitos na Aldeia dos Macacos.

A um canto do espaço-montra em que vive, um orangotango adulto andava ocupado a cuidar da sua cama, amparada por trás pelas inamomíveis paredes de betão e debilmente delimitada na frente por um muro de serradura grossa.

O animal ia resoluto até ao extremo oposto da jaula e, usando o braço como uma pá, recolhia as aparas espalhadas pelo chão e arrastava-as até ao seu canto, para aí construir com elas o muro de 20 ou 30 cm de altura.

Quando os seus insondáveis critérios de exigência davam a obra como pronta, ele saltava para o lado de dentro, dava-lhe uns últimos retoques, e instalava-se.

Uma vez deitado, esticava com preguiça pernas e braços, saboreando o conforto com gestos largos e desajeitados que,  inadvertidamente, danificavam a frágil parede de serradura. E o descanso era sol acabava!

Como se se apercebesse da precariedade da construção, sentava-se, esticava o braço para fora e voltava a ajeitar meticulosamente as aparas, aperfeiçoando a consistência da cama.
De um lado e de outro, reforçava o paredão, voltava a deitar-se, e de novo se erguia, umas vezes para recolher mais aparas a partir do canto oposto, outras vezes só para, com uma mão de cada lado do muro, compactar a serradura. Do seu corpo, por todo o lado, pendiam aparas. Tudo eram aparas, corpo e cama. Um orangotango só, e as aparas.

Ao fim de algum tempo, e de muito deitar e levantar, a cama deve ter ficado em condições, porque o bicho sossegou.

Observei aquela paz durante mais uns instantes, e afastei-me em desassossego.

Entre outras imagens, vi no orangotango a criança que na praia constrói piscinas de paredes de areia. Pior do que isso... Vi-me naquele orangotango.

A nossa vida será muito diferente da daquele orangotango?

Onde nunca nada é definitivo, vamo-nos cansando a construir agora aquilo que não conseguiremos preservar ou que outros hão-de destruir, e é sempre preciso recomeçar, mesmo que as maiores ameaças ao nosso descanso venham de dentro de nós próprios.

Quando o mundo é uma prisão, o descanso é breve.

06 julho 2011

A Televisão Cansa-me...

TELEVISÃO - MAIS DO MESMO


Se calhar, nos últimos tempos tenho visto televisão a mais, porque ando cansada.

Cansa-me o paternalismo de alguns líderes políticos nacionais e europeus, o umbiguismo de outros, as lições dos comentadores que fingem que não são políticos, a partidarite mascarada de comentário isento.

Cansa-me a falta de graça do Herman e o elitismo sectário da graça dos Gato Fedorento, só para Meo.

Cansa-me o exagero nos elogios aos mortos que são sempre muito melhores pessoas depois de mortos.

Cansa-me o mau português, a moda dos jornalistas acelerados, que confundem qualidade com falar depressa e com muita energia e com muita veemência e...

Cansa-me a pobreza informativa, a falta de notícias nos noticiários, os directos de coisa nenhuma.

Cansa-me o jornalismo que transforma em sondagem nacional tecnicamente irrepreensível as respostas de meia dúzia de gatos pingados anónimos ouvidos à pressa ao virar da esquina, porque, como eles são portugueses, OS portugueses pensam  daquela maneira.

Cansa-me tanto, que não escrevo mais nada, embora haja mais coisas que me cansam.