O SABOR DO C
Estou de volta.
Sem Saramago, traz-se-me um outono à chegada do verão.
Tenho andado ausente, e está a fazer um ano que mudei de vida.
Entre Julho de 2009 e este junho não há apenas a distância de um agora inevitável, incontornável acordo ortográfico; há um primeiro ano de mandato vivido com muito entusiasmo, grandes alegrias, fantásticos momentos, situações difíceis e dias cansados.
Nestes meses, entre um sem-fim de almoços inexistentes ou tardios, malpassados, e dezenas de jantares a pão de leite com manteiga ou croissant com fiambre, há um ror de dias de escola que começam às 8 da manhã e só acabam para o lado da meia-noite, como se a casa servisse só para dormir.
Há um cargo que se construiu sobre o que estava por fazer e o que era preciso desfazer, aproveitando ainda as ruínas do que valia a pena, e tecendo, tecendo sempre, dia e noite, a formigar na construção de um projecto em que não adiantaria querer que os outros acreditassem, se não fosse - se não quisesse - ser eu a primeira a entregar-me.
De Julho de 2009 para cá, há uma equipa que me acompanha, fantástica no seu labor, na sua dedicação e no seu apoio, e há muitos professores, grandes profissionais, protagonistas do fazer todos os dias o prestígio da nossa escola.
Mas desde Julho há também uma família próxima mais só, e a família grande mais distante.
Há os amigos que vejo menos.
Há menos concertos, menos cinema, menos teatro. Há menos mar, menos livros, menos música, menos descanso, menos qualidade de vida.
Há a tese que não se escreve sozinha.
Tudo acontece ou não acontece em nome de qualquer coisa, qualquer coisa tão importante - projecto, profissão, carreira, educação, ensino, escola, destino, missão, determinação, teimosia - qualquer coisa que me impele, me empurra todos os dias e me manda ser serva às ordens de mim, convencida de que estarei pelo menos a contribuir para mudar alguma coisa, mesmo que não possa mudar o mundo.
E, ainda que eu não tenha conseguido mudar nada, a verdade é que muita coisa mudou.
Por exemplo, a mando do acordo ortográfico, passei de directora a diretora.
Não acho graça que me tenha desaparecido o cê daquele sítio.
Um cê ali, no sítio certo, não faz mal a ninguém, ninguém dá por ele.
Um cê que se mexe para sítio errado pode tornar-se um chato, e mudar a vida a uma pessoa.
O verão vem quente, já estou mesmo a ver.
Mas haverá diplomas de 12º ano que eu quero entregar em setembro aos meus meninos, e levar-lhes de novo Saramago ou Eça ou Mia Couto ou Sophia; e quero comer castanhas assadas no outono, e rabanadas no inverno, e vou pedir desejos com passas em janeiro, para poder celebrar a vida em março, e ter de novo um cravo em abril, e sentir bater o coração em maio, para chegar de novo a junho, e a julho, e estar lá, a meio de um mandato de directora, sem cê, pois então!