26 setembro 2006

Vitalício da Silva, Funcionário Nacional

 Vitalício da Silva apoiou o cotovelo na secretária, afastou a pilha de processos que mal o deixava ver o colega do lado, deixou descair a testa para a mão e suspirou, cansado de suspirar.


Conheço funcionários públicos que nasceram cansados e que já não sabem fazer outra coisa que não seja descansar depois de não terem feito nada! São as tristes e incompreendidas vítimas do trabalho; tantas vezes se queixaram da dificuldade e dureza das suas funções, que elas próprias já acreditam que é verdade.

Fico podre quando vejo o funcionalismo que picou o ponto às oito, poisou a mala às 8.05, foi à casa de banho às 8.10, viu os mails às 8.15, abriu a gaveta às 8.20, cumprimentou os colegas das outras secções às 8.30, e antes das 10.00 já está na rua, a tomar o pequeno-almoço, porque não é escravo do trabalho.

Conheço um Centro de Saúde onde quem quer cuidados de enfermagem deve tirar uma senha à chegada. Vá lá saber-se porquê, desapareceram muitas senhas, e ficaram apenas números salteados: há o nº1, o 2 e 0 3, depois há o 7, 0 11, o 12 e o 18, a seguir o 21, o 22, e assim sucessivamente.
Todos os dias, por volta das 10.30, a enfermeira se ausenta para tomar o seu pequeno-almoço, muito cansada, porque já atendeu, diz ela, quase 20 pessoas - na realidade tratou 8 ou 9, mas ninguém a desmente, com medo das retaliações! Se vai na senha 20, é porque atendeu 19 pessoas, não é? Merecido pequeno-almoço, ao fim de tantas horas de trabalho tão produtivo!
E o que pode gente fragilizada, envelhecida e pouco escolarizada contra este tipo de comportamento?

Conheço dois jardineiros que levaram 4 dias para tirar meia dúzia de pedras de um canteiro: deleitaram-se com os exercícios de Educação Física dos alunos da escola contígua; fumaram dezenas de cigarros, criaram calo no sovaco, de tanto encosto à enxada, deram ar aos telemóveis, falaram com muitos dos transeuntes e só desataram a limpar pedra quando viram aproximar o encarregado da obra. Aquela pedra não dava para um dia de trabalho, no Luxemburgo! E a "trabalharem" àquele ritmo, aqueles senhores não seguravam o emprego mais do que um dia! Em Portugal, são Vitalícios! Para quê maçadas?

Passo-me completamente quando os oiço cobiçar os níveis salariais dos países da Europa Central e do Norte: eles não vêem que os outros têm de dar ao litro para ganharem o que ganham???
Será que isto vai mudar? Algum dia seremos capazes de arregaçar as mangas e pôr este país a funcionar?

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