A PERTINÊNCIA DE UMA REPORTAGEM
O noticiário da SIC quis hoje aprofundar, com seriedade e rigor, a informação sobre a crise em Espanha e os seus meandros:
Foram ao mercado de Madrid entrevistar... uma peixeira.
O noticiário da SIC quis hoje aprofundar, com seriedade e rigor, a informação sobre a crise em Espanha e os seus meandros:
Foram ao mercado de Madrid entrevistar... uma peixeira.
Ensina-se-lhes que sejam justos, para viverem num Mundo em que reina a injustiça!
Ensina-se-lhes que sejam leais, para que a lealdade, um dia, os leve à forca!
(...)
Não seria mais humano, mais honesto, ensiná-los, de pequeninos, a viverem em paz com a hipocrisia do mundo?
(...)
Quem é mais feliz: o que luta por uma vida digna e acaba na forca, ou o que vive em paz com a sua inconsciência e acaba respeitado por todos?
(...)
Se o meu filho fosse vivo, havia de fazer dele um homem de bem, desses que vão ao teatro e a tudo assistem, com sorrisos alarves, fingindo nada terem a ver com o que se passa em cena!(...)
Havia de lhe ensinar a mentir, a cuidar mais do fato que da consciência e da bolsa do que da alma.
(...)
Se o meu filho fosse vivo... Havia de morrer de velhice e de gordura, com a consciência tranquila e o peito a abarrotar de medalhas!"
in Felizmente Há Luar, de Luís de Sttau Monteiro.
(Foram apenas suprimidas as indicações cénicas)
Acho incompreensível e inadmissível que haja mais de um euro de diferença (ultrapassa os 15%) num produto deste preço, em lojas do mesmo grupo.
Explicou-me a funcionária de Grândola que "eles" é que decidem os preços, e que há diferenças de loja para loja, mesmo em relação a outros produtos.
Fiquei sem saber quem são "eles", mas percebi que devem ser uns tipos com jeito para o negócio.
Na periferia de Lisboa, onde a concorrência é certamente renhida, desce a margem de lucro para garantir as vendas.
No litoral alentejano, onde a pluralidade da oferta é fraca, é fartar, vilanagem!
Anda o alentejano a pagar caro para o alfacinha comprar barato e a Sonae ganhar o mesmo, ou seja, sempre mais.
É bonito, não é?
Há uns anos, numa pequena vila alentejana, ainda em tempo de escudos, as chamadas lojas dos 150 e dos 300 mataram o comércio tradicional.
Mas o sucesso foi sol de pouca dura.
Chegou entretanto um "El Corte Chinês", instalou-se numa loja falida, rebentou com as lojas dos 300, alargou as suas instalações, e é hoje uma superfície considerável de quinquilharia e pronto-a-vestir e ferramentas e tudo e tudo, tudo balato, muito balato.
A última vítima deste retumbante sucesso asiático fechou há uns meses, e era a maior das lojas dos 300, situada na rua principal, quase quase em frente à megastore do balão vermelho.
A defunta loja ocupava um grande espaço comercial do centro urbano. Agora, está fechada.
O mais previsível é vir a ser outra loja de chineses, não é?
Certamente, dada a crise, não há português que arrisque abrir um negócio numa terra assim, não é?
Pois... Mas o problema não é esse...
A loja está fechada e continuará fechada, de certeza absoluta, porque está alugada ao chinês da outra loja, que se apressou a tomar conta do espaço, antes que outro chinês se viesse apoderar dele, e fazer-lhe concorrência, a ele, Grande Timoneiro Livre de Impostos e único usufrutuário local do extraordinário e vantajoso acordo que a União Europeia estabeleceu com a China e que tanto tem contribuído para o desenvolvimento do comércio chinês...
Assim, o nosso perspicaz negociante mantém fechado um dos maiores espaços comerciais da vila, que lhe serve "apenas" de arrecadação e armazém, já que abri-lo ao público implicaria despesas e contratação de pessoal, e ele não está para isso, nem precisa disso. Basta-lhe a loja que tem para expor tudo o que vende sem mais despesas.
Estas coisas fazem-me confusão, e deixam-me a assobiar à roupa toda. Mas, pelos vistos, só a mim é que fazem brotoeja.
O senhorio está feliz porque, na estrita medida do seu interesse pessoal e particular, tem quem lhe pague a renda, que é a única coisa que lhe interessa.
O chinês está feliz e contente na sua condição de monopolista chico-esperto só de um olho em terra de cegos.
E o português?
O português... O português... para ele, é um pagode ir ao chinês!
Desci as escadas até ao topo e apaguei a luz, para não tropeçar nos móveis do corredor vazio.
No quarto ao fundo, o avô entrevado seguia pela rádio o final cor de fogo de E Tudo o Vento Levou.
Sentei-me à sua frente, peguei no jornal e comecei a ler baixinho as legendas, porque o velhote era surdo e precisava sempre que alguém o ajudasse a juntar as sílabas.
Mal eu tinha começado, o avô deu um salto:
- Grande novidade!... Porcaria de filme!... Tanta fama, tanta fama... E um gajo aqui a perder tempo...!
Lançou-me um olhar traquinas, e desafiou, falando-me quase ao nariz:
- Vai um joguinho de dominó? Ah...? Ou de cartas? Aposto que te perco!
- Sempre quero ver isso... – acedi eu, só para o contrariar.
Enquanto ele foi num instante buscar o piano de cauda à sala, eu fui baralhando as partituras, para ele distribuir jogo assim que voltasse.
Sentámo-nos os três a ensaiar uns arpejos. O avô tocava um doble-quinas e eu acompanhava, soprando de vez em quando pela palheta do baralho, a fazer vibrar o ás de copas.
Quando engoli a palheta e caí com sentidos, quadrado no tecto, o avô levantou-se num ápice e exclamou, eufórico:
- Tás a ver!? Eu bem disse que te perdia!
Esta noite depositei no cemitério de mim os últimos dois anos de vida.
Sem lágrimas.
Quando demoramos demasiado tempo a enterrar os mortos, o cansaço de sofrer deixa exausta a própria dor.
Fica um pó de tristeza resignada. Não há vida, por mais viva e vivida, que resista à morte.
Lembrar-me-ei de mim, dos dias, das noites e dos anos?
Não preciso de me lembrar de mim.
Derramo sobre o tempo amassado a terra seca.
Basta que o pó ajude a conservar-me.
E que, mais tarde, a minha força me desperte e sacuda.
Então, agitarei os panos brancos e desenharei claves de sol na minha tristeza.
Não ia ao Zoo de Lisboa desde a minha infância, tão lá para trás que já nem me lembro que idade tinha.
Fora do fim-de-semana, em Abril, o parque estava um descanso. De certeza que éramos muito menos pessoas a passear do que animais em cativeiro.
Há crias muito jovens, nascidas no nosso Jaleco: tigres brancos, 1 hipopótamo, gorilas, 1 orangotango, ... São uma ternura, e o seu nascimento parece provar que vivem em boas condições, ou os seus progenitores não reproduziriam.
No entanto, tenho uma relação complicada com os parques zoológicos. Duvido sempre que o argumento da preservação das espécies não seja apenas um pretexto mal-amanhado para justificar o cativeiro dos bichos, e por isso não consegui evitar um sentimento parecido com culpa por eu ser uma visitante em liberdade no meio de todos aqueles residentes forçados.
Fiquei tempos infinitos na Aldeia dos Macacos.
A um canto do espaço-montra em que vive, um orangotango adulto andava ocupado a cuidar da sua cama, amparada por trás pelas inamomíveis paredes de betão e debilmente delimitada na frente por um muro de serradura grossa.
O animal ia resoluto até ao extremo oposto da jaula e, usando o braço como uma pá, recolhia as aparas espalhadas pelo chão e arrastava-as até ao seu canto, para aí construir com elas o muro de 20 ou 30 cm de altura.
Quando os seus insondáveis critérios de exigência davam a obra como pronta, ele saltava para o lado de dentro, dava-lhe uns últimos retoques, e instalava-se.
Uma vez deitado, esticava com preguiça pernas e braços, saboreando o conforto com gestos largos e desajeitados que, inadvertidamente, danificavam a frágil parede de serradura. E o descanso era sol acabava!
Como se se apercebesse da precariedade da construção, sentava-se, esticava o braço para fora e voltava a ajeitar meticulosamente as aparas, aperfeiçoando a consistência da cama.
De um lado e de outro, reforçava o paredão, voltava a deitar-se, e de novo se erguia, umas vezes para recolher mais aparas a partir do canto oposto, outras vezes só para, com uma mão de cada lado do muro, compactar a serradura. Do seu corpo, por todo o lado, pendiam aparas. Tudo eram aparas, corpo e cama. Um orangotango só, e as aparas.
Ao fim de algum tempo, e de muito deitar e levantar, a cama deve ter ficado em condições, porque o bicho sossegou.
Observei aquela paz durante mais uns instantes, e afastei-me em desassossego.
Entre outras imagens, vi no orangotango a criança que na praia constrói piscinas de paredes de areia. Pior do que isso... Vi-me naquele orangotango.
A nossa vida será muito diferente da daquele orangotango?
Onde nunca nada é definitivo, vamo-nos cansando a construir agora aquilo que não conseguiremos preservar ou que outros hão-de destruir, e é sempre preciso recomeçar, mesmo que as maiores ameaças ao nosso descanso venham de dentro de nós próprios.
Quando o mundo é uma prisão, o descanso é breve.
Cansa-me o paternalismo de alguns líderes políticos nacionais e europeus, o umbiguismo de outros, as lições dos comentadores que fingem que não são políticos, a partidarite mascarada de comentário isento.
Cansa-me a falta de graça do Herman e o elitismo sectário da graça dos Gato Fedorento, só para Meo.
Cansa-me o exagero nos elogios aos mortos que são sempre muito melhores pessoas depois de mortos.
Cansa-me o mau português, a moda dos jornalistas acelerados, que confundem qualidade com falar depressa e com muita energia e com muita veemência e...
Cansa-me a pobreza informativa, a falta de notícias nos noticiários, os directos de coisa nenhuma.
Cansa-me o jornalismo que transforma em sondagem nacional tecnicamente irrepreensível as respostas de meia dúzia de gatos pingados anónimos ouvidos à pressa ao virar da esquina, porque, como eles são portugueses, OS portugueses pensam daquela maneira.
Cansa-me tanto, que não escrevo mais nada, embora haja mais coisas que me cansam.
Fico alapada em frente ao ecrã, a ver vídeos aos solavancos, e a esperar eternidades pelo carregamento de uma imagem ou de um mail um bocadinho mais rechonchudo.
Eu sei que a vida é um teste permanente à paciência do indígena mas, caramba, até a placa de Internet!?
Ao que parece, trata-se de um problema de cobertura... e não devo queixar-me: a placa é TMN, e a TMN é a rede que melhor funciona nesta zona. Diz quem já experimentou outras que as da concorrência ainda são piores...
Acontece que eu não estou num deserto, do género Pulo do Lobo ou Nenhures de Baixo. Assentei arraiais em pleno centro de uma vila do litoral alentejano, onde, por sinal, se avista de vários lados uma magnífica antena que é da... TMN!
Dizem-me que em Lisboa a coisa anda depressinha... Pois... Já lá experimentei, repetidamente, durante várias semanas, e é mais rápida, sim senhora, desde que não seja a hora de ponta... nem à hora do almoço... nem à noite... pois... aí... há muita gente a navegar... É o tráfego...
Ora, bolas!
E aquela geringonça não é para aguentar-se ao barulho, mesmo com muita gente a navegar? E a cobertura não é nacional? E não pagamos para ter velocidade até não sei quantos Giga?
Na minha placa, só deve haver Gigalesmas!!!
Não, isto não é um elogio à TMN, por ser a menos má!!!
É um assobio enfadado a todas as operadoras que nos comem o dinheiro e se estão marimbando para a qualidade do serviço que nos prestam.
Queirós diz que Hugo Almeida estava "esgotado", Hugo Almeida diz que estava fresco que nem uma alface; Cristiano Ronaldo diz para fazerem a pergunta ao Queirós, outro técnico da selecção diz que Ronaldo não pensou no que disse; Eduardo diz que foi um esforço de toda a equipa, Portugal inteiro viu que só meia equipa se esforçou; enquanto o mesmo Eduardo chorava copiosamente no fim do jogo, o seu colega Pepe ria a bandeiras despregadas enquanto cumprimentava um colega espanhol; and so on and so on.
Felizmente, agora têm todos tempo para arrumar as ideias e sobretudo para descansar no recato do lar. É que não tarda, Ronaldo tem de estar a dar o litro na equipa espanhola que lhe paga o ordenado e os brasileiros têm de ir aprender melhor a letra do hino porque o Europeu é já daqui a dois anos.
Graças a Deus que para nós já acabou.
O texto que acaba de ler é da autoria de QI Baixo.
QI Baixo colabora com o Assobio, e escreve neste blog quando pode e quer.
Não percebo este tratamento especial.
Quem se lembraria de dar gorjeta ao empregado da farmácia que com calma e sapiência procura as melhores pastilhinhas depois de nos aturar na descrição dos sintomas da dor de garganta que não levámos ao médico?
Passa pela cabeça de alguém dar qualquer coisa ao vendedor da loja de electrodomésticos que nos atura na indecisão entre a maquineta da marca x e a da marca y, e que nos explica tudinho, tudinho?
E quem paga mais do que o preço marcado ao empregado de balcão que vai ter de ficar a dobrar as sete blusas que nós experimentámos antes de nos decidirmos pela que levamos?
Alguém dá gorjeta à funcionária que num qualquer guichet nos atende com competência, compreensão e disponibilidade?
Alguém dá moedas ao carteiro que diligentemente deposita o correio na nossa caixa?
Quem gratifica o dono do quiosque de jornais que todas as manhãs nos vê ler à borla os títulos de todas as primeiras páginas, e virarmos costas, "informados", muitas vezes sem comprarmos nada?
E quem é que "gorjeteia" o motorista do autocarro que nos traz todos os dias à mesma hora, e que até já esperou por nós um segundinho, no dia em que nos viu a correr, atrasados?
Alguém dá?
Não. Claro que não!
E porquê?
Porque, obviamente, achamos que todas estas pessoas estão apenas a fazer bem o trabalho delas, como é sua obrigação, e para isso e por isso recebem o respectivo ordenado ao fim do mês.
Então, por que carga de água gratificamos o empregado de mesa? Não está ele, como todos os outros, a fazer "apenas" o seu trabalho?
Será porque se trata de comida que nos comportamos de maneira diferente?
Pode ser...
Mas, então, alguém dá gorjeta ao rapazinho do talho que nos pisca o olho quando as costeletas é que são tenrinhas, e não os bifes que tínhamos a intenção de comprar quando entrámos?
E à senhora da padaria que todas as manhãs escolhe da bancada o pãozinho como nós gostamos, mais encruado ou mais tostadinho?
Alguém dá gorjeta à empregada da caixa do supermercado que, com sorte, até nos ajuda a meter as compras no saco?
E ao merceeiro do bairro que nos aconselha a experimentar um produto de qualidade e nos leva à descoberta de uma delícia?
Mais caricato ainda é não darmos gorjeta ao funcionário que nos atende ao balcão e somos capazes de nos sentirmos na necessidade/obrigação de o fazer se ele - o mesmo! - nos atende à mesa, ou na esplanada, quando o preço aí praticado já é, por tabela, mais alto do que ao balcão.
Ao que julgo saber, na minha ignorância, esta tradição vem do tempo em que os empregados de mesa não tinham ordenado e faziam depender o seu rendimento (ou parte dele) da generosidade dos clientes.
Actualmente, todas estas pessoas recebem um vencimento que até pode ser bastante baixo, mas não o é necessariamente mais do que muitos outros cidadãos trabalhadores, e até pode ser mais alto do que o de alguns dos clientes que atendem.
Porque é que havemos, então, de tirar do nosso vencimento para aumentar os deles?
Um amigo dizia-me no outro dia que o faz para ter a certeza de que ninguém lhe cospe na sopa. Mais ou menos como dá a moeda ao arrumador para não ficar com o carro riscado...
Tenho andado a pensar: Já que a crise aconselha a reduzir depesas, e reduzir despesas implica cortar em alguma coisa, que tal começar pelas gorjetas?
E agora, chamem-me nomes...
Do meu local de trabalho tenho vista privilegiada sobre o Tejo, mais ou menos desde a zona do Parque das Nações até ao Cais do Sodré. Sim, é de facto muito bonito. Por estes dias, suponho que devido à chegada da Primavera, tenho também tido uma vista privilegiada para todos os navios de cruzeiro que aportam nesta zona da cidade... e só hoje podemos contar 5! Inevitavelmente, ouvem-se por aqui comentários do género "Espero que não partam sem mim!", "Eh pá, não sei mesmo onde guardei o bilhete!" e outros que se prendem sobretudo com o valor das reformas de alguns dos clientes deste tipo de turismo. Estes últimos são, provavelmente, os menos saudáveis. O problema é que me parece que quem os diz fá-lo mais por desânimo e menos por inveja, apesar de este ser um sentimento feio. Olha, lá está mais um a avisar que vai partir... eu, se tudo correr bem, zarpo daqui a bocado num cacilheiro para a margem sul, com solinho a bater nos vidros e tudo!
O texto que acaba de ler é da autoria de QI Baixo.
QI Baixo colabora com o Assobio, e escreve neste blog quando pode e quer.
Saiu dos hábitos de muitos portugueses (e noutros nunca entrou...) fazer a primeira refeição do dia em casa.
A trabalheira de comprar tudo, pôr a mesa, fazer as torradas ou a sandocha, aquecer o leite, descascar a fruta, ... isso era bom para as mulheres de outro tempo, que estavam todo o dia em casa e não tinham dinheiro.
Hoje, uma família tem pressa de sair de casa, e toma o pequeno-almoço fora.
Obviamente, este "luxo" tem um custo: o pequeno-almoço fica pelo dobro do dinheiro, mas não dá trabalho nenhum e portanto é normal que se pague.
Dantes só os ricos tinham poder de compra para se sentarem num café; mas as esplanadas democratizaram-se e hoje qualquer um se pode lá sentar a alimentar os seus vícios de rico com rendimentos de pobre.
Portugal é certamente o país da União Europeia com mais serviço de pequeno-almoço em cafés e pastelarias, facto que se deve, necessariamente, ao nosso elevado poder económico.
Não vamos com certeza querer comparar um português com um pobretanas dum nórdico, alemão ou francês, essa gente pindérica que toma o pequeno-almoço em casa...
Isto aqui é outra loiça!
Falta espaço para tanta gente, falta tempo para compras, preparativos, cozinhados e limpezas-arrumações pós-festa e falta paciência, porque a vida já é o que é de 2ª a 6ª feira, quanto mais estragá-la ao fim de semana.
No país em crise cultivam-se novas formas de celebração de aniversários.
No país em crise, recorre-se a empresas de eventos ou de restauração, que tratam de tudo, desde a comidinha à animação (música, palhaços, pinturas faciais, figuras de desenhos animados, batalhas de paintball) passando pelos balões e gaitas, mais os presentinhos para todos os convidados, o bolo de aniversário, etc.
No país em crise, o sucesso destes eventos é de tal ordem que já há festas de aniversário às 10 da manhã, por falta de vaga no turno da tarde.
No país em crise proliferaram os negócios neste sector.
Estarão agora em crise?
Num país em crise, fazem-se viagens de finalistas à saída do 3º ciclo, e do 2º ciclo e até à saída do 1º ciclo.
Num país em crise há até quem faça queima das fitas no ensino básico.
Num país em crise, crianças de 12 ou 13 anos fazem as malas e vão para um "resort".
Num país normal, as viagens de finalistas são aproveitadas para conhecer outras regiões pátrias, e conciliam a vertente lúdica com pelo menos algumas preocupações culturais.
Num país em crise, as viagens de finalistas são sempre para o estrangeiro, porque o que é nacional é piroso, e conciliam a vertente - pelo menos - etílica com talvez algumas preocupações de bronzeado em areal.
Um país em crise ostraciza ou ridiculariza os jovens cujos pais não têm capacidade económica para sustentar estas cavalgadas (ou que têm força suficiente para lhes resistir).
Nesta Páscoa, continuaremos a partilhar a nossa crise com Lloret del Mar e afins?
Caro Assobio,
Com as minhas felicitações pelo teu regresso, constato nos últimos dias que a tua rentrée foi em grande!
Não, não é para fazer aqui o elogio do texto, essa parte não me compete nem é este o local próprio. Simplesmente gostei de ver que afinal ainda há muita gente que não fica indiferente ao que lê e que não se importa de "perder tempo" a fazer comentários em blogues.
A propósito do muito que se tem dito/visto/ouvido sobre a geração à rasca, há duas coisas que me ficaram a martelar na cabeça. Primeiro, uma entrevista a uma jovem de 26 anos, licenciada há dois e desempregada há outros tantos, que disse saber que rapidamente arranjaria emprego numa loja ou num supermercado, mas que não se menosprezava (sic) a esse ponto. Segundo, a ligeireza com que a frase "A Nossa Culpa", e as ideias que lhe associaste na parte final do teu texto, vieram a ser relegadas para segundo plano, numa demonstração de que o nosso medo é tanto que talvez seja melhor deixarmos a cabeça enterrada na areia mais uns tempos.
Já agora, e não querendo fazer disto uma Carta Aberta ao Assobio, gostava que soubesses que vários colegas de trabalho me mostraram hoje um texto sobre a geração à rasca. Todos tinham a mesma versão e para todos o texto era da autoria de Mia Couto. Naquilo que pude, lá fui desfazendo o equívoco, só que quando chegou à parte de quererem autógrafos...! eh pá! desculpa lá, mas não posso meter essa cunha!
O texto que acaba de ler é da autoria de QI Baixo.
QI Baixo colabora com o Assobio, e escreve neste blog quando pode e quer.
Este blogue existe há cerca de 5 anos, e não é um blogue anónimo.
Aqui escrevo, devidamente identificada no perfil ("Quem Assobia").
Os que aqui me visitam sabem que este espaço não é anónimo e que aqui são respeitados os direitos de autor. Logo que redigi o texto, a 09 de março (portanto, antes da manifestação), disponibilizei-o na minha página do Facebook.
Não faço ideia por que razão o texto foi atribuído a Mia Couto. Nada fiz por isso. Costumo defender as minhas ideias sem precisar de me esconder atrás de outras pessoas. Quanto à forma como escrevo, ela está patente aos olhos de toda a gente (por exemplo, aqui no "Assobio"), basta querer ler textos anteriores.
O próprio Mia Couto me pede que desfaça o equívoco... Não estamos a ficar um pouco loucos?
Tenho de ser eu a dizer que o meu texto não é de Mia Couto? Ora essa!...
O equívoco com Mia Couto não é o único; já me acusaram de ter usurpado o texto a mais um ou dois autores, naquilo que considero serem deliciosas manifestações de distorção intelectual...
Quando decidi escrever sobre este assunto, limitei-me a expressar o meu ponto de vista, como tenho feito aqui, a propósito de outros temáticas, e como é meu hábito fazer no quotidiano. Evidentemente, não descobri a pólvora nem sou dona da verdade, nem reclamo qualquer talhão no cemitério das ideias absolutamente originais. Com tanta gente a escrever sobre o mesmo...
Uma coisa é certa - o plágio não é compatível com os meus valores. Dito isto, não posso deixar de dizer que me tenho divertido com os insultos de alguns comentadores empenhados em acusarem-me de plágio.
A propósito de comentários: todos (mesmo os anónimos) têm sido publicados, com dois tipos de excepção:
a) os que contêm insultos ou um nível de língua muito abaixo do padrão;
b) os que são mais extensos do que o meu próprio "post": quem tem tanto para dizer pode talvez criar um blogue para fazer ouvir condignamente a sua voz.
Todos os outros comentários são, obviamente, bem vindos, sobretudo quando enriquecem de forma saudável a discussão.
Lamento apenas que alguns comentários revelem tamanha dificuldade de interpretação do que escrevi, e que vejam neste meu post um ataque às novas gerações. Às vezes, o nível de distorção do meu pensamento é tal que me pergunto se não estaremos, de facto, perante formas subtis e requintadas de iliteracia... o que só dá razão ao que escrevi.
Um dia, isto tinha de acontecer.
Existe uma geração à rasca?
Existe mais do que uma! Certamente!
Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida.
Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações.
A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo.
Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.
Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.
Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.
Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.
Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A vaquinha emagreceu, feneceu, secou.
Foi então que os pais ficaram à rasca.
Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado.
Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a pais.
São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração.
São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas, porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar!
A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas décadas.
Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados.
Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com que o país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade operacional.
Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a informação sem que isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere.
Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam.
Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras.
Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável.
Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada.
Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio.
Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta geração?
Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!
Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como todos nós).
Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja!, que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros (como se viu no último Prós e Contras) e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.
E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!
Novos e velhos, todos estamos à rasca.
Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.
Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a culpa não é deles.
A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem fazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e a sociedade não consegue, não quer, não pode assumi-la.
Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens agora nos acusam. Haverá mais triste prova do nosso falhanço?
Pode ser que tudo isto não passe de alarmismo, de um exagero meu, de uma generalização injusta.
Pode ser que nada/ninguém seja assim.
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ACTUALIZAÇÃO:
Sim, este texto é mesmo meu.
Não, este texto não é de Mia Couto.
Circula nas redes sociais atribuído ao autor moçambicano.
O próprio desmentiu a autoria. Basta pesquisar um pouco, para perceber!
Começa a ser repetitivo.
Chove no Carnaval, e lá vem o espectáculo do costume.
Ou não há mesmo festa, ou a festa acaba à pressa, com toda a gente a fugir da chuva.
Depois, vem a lamúria dos prejuízos causados pela falta de foliões dispostos a pagar entrada nos bailódromos-abanódromos.
Até com o Carnaval somos desfasados da realidade. Quando é que nos convencemos da latitude e longitude de Portugal?
É verdade que no Carnaval tudo é a fingir, pelo que ninguém pode levar a mal fingirmos que estamos no verão.
Mas alguém já pensou no impacto negativo dos festejos invernais do Carnaval no Serviço Nacional de Saúde?
Quantas constipações, Resfriados e outras avarias? Idas ao médico? Entupimento das urgências? Incapacidades temporárias para o trabalho?
Ah!... Pois é!
A adolescente, habitualmente de poucas falas e avessa a comentários sobre o seu quotidiano de estudante de 9º ano, chega a casa enervada.
A indignação é tal que puxa ela própria a conversa à mãe.
Ofendida, é o que ela vem, com a professora X. Ofendidíssima.
A professora X... "Ó mãe, ela teve a lata de interromper uma conversa importante que eu 'tava a ter com a C., uma coisa que tínhamos mesmo de falar, mãe!..."
Realmente!...
Em plena aula, a professora X interromper a conversa de duas alunas...
Onde nós chegámos!
Primeiro a falta de tempo (ai, esse sorvedouro de horas chamado trabalho...), e depois umas fortes fragilidades da saúde têm silenciado o Assobio (e o QI Baixo também não tem teclado).
A tudo o meu silêncio resistiu:
- Orçamento de Penúria de Estado para 2011 e ofícios correlativos;
- Pobreza de eleições presidenciais, com suas confrangedoras campanha eleitoral e participação eleitoral;
- sobressaltos e pesadelos educativos;
- etc., etc., etc.
Ultimamente, porém, andam a acontecer coisas que me têm provocado brotoeja nos neurónios e cócegas na cabeça dos dedos. Ando assim a modos que a ferver, com vontade de teclar umas barbaridades...